Se há no mundo uma coisa que tem
a capacidade de me desgovernar é a decepção.
Não me importa que no lugar do
esperado sim me chegue um não. Quer dizer, me importa, mas não me maltrata,
pois sei que expectativa anda de mãos dadas, tanto com a frustração, quanto com
o contentamento. Consciente disso, o tombo é leve e a superação é certa.
Perde-se no máximo, o ânimo. Mas é momentâneo e antes do esperado, já limpamos
os joelhos e ficamos de pé, enquanto ecoa aquela voz vinda lá da infância "pronto, pronto, foi só um pulo, já
passou". E nasce outra esperança.
Expectativa nada mais é do que
uma probabilidade. É o balé da vida. Quem pega o ritmo, ginga melhor.
Decepção é diferente. Você está
desprevenida, não se fundou em viabilidades. Apenas acreditou, amou, acolheu,
acatou, confiou, esperou, enfim, se iludiu.
Ilusão é um engano dos sentidos é
um projeto quimérico, sempre solitário, mas que só ocorre porque sua existência
se dá a partir de outras. São poucos palcos a serem divididos por muitos
personagens. Cenas de menos, protagonistas de mais, ou vice-versa. Não
importa. Acho tudo meio profético, após tantas que passei é mais fácil pensar dessa maneira.
Decepção tem a capacidade de
transformar o solo firme sobre o qual eu piso, em um corpo fluídico, que se
deforma e me deforma (ou seria o contrário?). A mesma voz carinhosa ecoa da
infância com cheiro bom de fim de tarde na casa da minha avó "levanta! foi só um pulo... passou".
Mas eu nunca levanto. E nunca passa. Mas, como nunca é um tempo longo demais...
Levanto. Mas faltam pedaços. Acho até que nem são fundamentais porque sigo com todas as minhas funções vitais.
O olhar é outro. Nada do que
sentia, é sentido como antes. Percebo tantas coisas que já estavam ali. Porque
eu não via? Talvez me poupasse.
Decepção tem um aprendizado
singular que descobri com propriedade - ela não te permite sentir-se vítima,
simplesmente porque nunca há algozes. Quando não há injustiça não há
impotência. Você não fica incapaz minuto nenhum.
Tudo partiu de você e voltou para você.
Você idealizou, você esperou,
você sentiu, você, você, você! A responsabilidade da decepção é sua. E é a dor dessa
consciência que te mata e te devolve à vida. Você se culpa e se perdoa. Você se
abandona e se acolhe. E protagoniza sozinha essas cenas, e aquele palco antes
repleto de personagens, por um tempo fica sendo seu. E você vai recriando cenários futuros (depois que entende que passado passou), vai imaginando diálogos, vai recolocando os personagens "em seus quadrados" como em um difícil dominó (onde não há xeque-mate), vai reeditando textos passados para melhor escrever os textos futuros.
Reeditando
a sua vida.
Como escreveu Fernando Pessoa “Sinto-me nascido a cada momento, para a
eterna novidade do mudo.”