Chegou estranho em casa dizendo
que não poderíamos mais estender a viagem após o congresso. Deixou de alugar na locadora
filmes para sábado à tarde. Não saboreamos mais o vinho antes
de dormir. Aos poucos deixou de vir para o jantar. Passei a ir à banca sozinha
comprar jornal aos domingos. Não parava mais para tomar sorvete.
Sozinha não tinha graça. Sempre cansado, aguardava em casa, enquanto eu me dilacerava com aquela ausência tão perto de mim.
Já estava com pena da Ludi, não tinha culpa daquela inexplicável reviravolta em nossa rotina. Há noites não passeava mais. Comecei a caminhar com ela. Por vezes se
voltava para mim com a sensibilidade que só os cães têm - "ei! onde está
ele"? Passando a mão pelo seu pelo farto respondia "parece que não
está mais entre nós." E seguia, na maioria das
vezes, chorando.
Fugia a todo custo da primeira
conversa (disse primeira porque casal nenhum decide duas décadas de vida em uma
única conversa). Tentava evitar o inevitável.
No começo do fim eu ainda o
esperava para irmos dormir, e o livro que nunca mudava de página era a
justificativa tola para não ir. Pouco tempo depois passei a correr na sua frente
e ganhar a cama. Quando ele chegava era eu quem fingia dormir. Temia a tal
conversa. Meu sangue sempre quente parecia congelado. Não fazia perguntas e seguia sem raciocinar.
Um
dia comunicou que estava comprando um apartamento na praia, “que bom! sempre
disse a você que seria ótimo para nós”. Não se virou para mim, “preciso de um
pouco de privacidade”.
Não
tive reação, senti aos poucos o sangue descongelando. “Você tem outra?” A
pergunta que ele aguardava impaciente há dias pareceu soar-lhe como um remédio contra dor “tenho”.
O teto caiu sobre
mim, despedaçando-me por dentro. Não íamos mais envelhecer juntos?
“Como
você teve coragem de fazer isso comigo?” “Acha que se pudesse escolheria isso?”
“Porque então?” “Não tenho essa resposta.” “Quando começou?” “Há seis meses”
“Porque não me contou antes?” “Não queria te magoar”
Magoou-me
a conta gotas. Mudou nossa rotina. Foi arrancando minhas esperanças de que tudo
voltaria ao normal. Friamente esperou que minha angústia perante tamanhas
mudanças lhe servisse de estopim para aquela conversa.
“Você
é um covarde! Separou-se de mim há seis meses e obrigou-me a ficar com você.”
“Você ia sofrer muito resolvi dar esse tempo” “A opção era minha, não tinha o
direito de decidir por mim”
Ainda
assim eu não queria a separação. Era uma vida tão boa...
“Podemos tentar mais uma vez. Sempre vivemos tão bem” “Amo
outra mulher” “Isso não é amor, vai passar” “Quero partir” “Por favor, vamos dar
mais uma chance a nós” “Não quero mais viver com você” “E eu não quero ficar
sem você!” Gritei aos prantos.
“E vai me condenar a ficar ao seu lado?” Juntei
o que pude de roupa e dignidade e fui embora.
Foi
nossa primeira e única conversa e decidiu soberanamente o destino de duas
décadas de vida em comum, em menos de 15 minutos.