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terça-feira, 4 de junho de 2013

"Agora sim, eu fui castigada por algo que eu fiz"

Não sei porque o dia de hoje me levou a sentir o perfume do pé de manacá que havia no quintal da casa de meus avós. Acho que foi o céu tão azul misturado com esse friozinho bom, somado a minha ilusão, quase infantil, de que tudo valeu à pena. Seja lá o que tenha sido. Mesmo ciente de que tudo se esvaneceu no ar. Mesmo tendo a exata medida de que não fiz nenhuma diferença, tudo está bem, ou pelo menos, como tinha que estar. Assim como as crianças, fiz o que senti e a bússola, foi só o coração.
Estava na rede ao lado daquele pé de manacá quando meu pai chegou do alto de sua soberania e decretou meu castigo -  uma semana sem pisar na casa da minha avó. Um tiro certeiro. Finalmente, ele achara um modo de me atingir. Seus castigos nunca me abalavam e ele se frustrava a saltar as vistas - "dia das crianças sem ganhar aquela boneca!" E eu nem ai... até que ele entendeu que o verbo "comprar" jamais me afetaria. Pela primeira vez, ele me castigava de fato. Eu tinha 10 anos e dependia da casa da minha avó para respirar. Era o som do seu piano, seus livros, seu português correto e suas histórias que me faziam acreditar que tudo era possível... Que felicidade era paz de espírito. Que paz de espírito era consciência tranquila. Que consciência tranquila era a grata sensação que, independente de certo ou errado, tudo fora feito por amor, com amor e para o amor. Aprendi com ela que a despretensão é algo tão nobre e raro de ser encontrado, quão nobre e raro de ser oferecido. Eu consegui. Não encontrei, mas ofereci. E pude confirmar sua nobreza - ao nada pretender, tudo fluiu, do começo ao fim. Literalmente.
Quis entender porque estava sendo castigada. Eu pedi, chorei, implorei, me revoltei e ele se limitava a responder - "você mereceu e sabe porque". Ocorre que eu nem imaginava... E isso me maltratava. Tem algo pior que ser julgada e condenada sem ao menos saber o motivo? E eu telefonava para ele, mandava bilhete, pedia socorro a minha avó, as minhas irmãs, e nada. Acabara de ser apresentada a um egocrata. E que poder de devastação esses detêm...
Bom, cumpri o castigo, já treinando a humildade - grande aliada. Castigo cumprido perguntei-lhe se poderia saber a razão, e ele, então, me estendeu minha calça de pijama com dois cortes enormes nos joelhos, virou as costas e saiu, me deixando com lágrimas grossas jorrando. Que ódio experimentei ali! É, eu sempre senti ódio quando a injustiça me ronda. E sinto ainda. Mas hoje sou muito mais rosa que espinho.
Jurei que nunca mais deixaria ninguém ser injusto comigo. Inocência...
Minha irmã, com raiva de mim por um motivo que não me recordo mais, cortou meu pijama, minha mãe a castigou e deu por encerrado, mas guardou a calça em seu quarto e seguiu para o retiro da igreja que ela ia sempre... Meu pai encontrou a calça, e do alto de sua soberania, decretou sua sentença.
Fiquei remoendo aquela raiva pequei outra calça de pijama, e fiz os mesmos buracos no joelho com a tesoura. Desci as escadas e o afrontei sem imaginar o perigo que é desafiar um ditador quando se tem a vida ou o coração nas mãos dele "agora sim, eu fui castigada por algo que eu fiz". Ele não me bateu, porque a violência física, geralmente é para aqueles que têm mais sangue do que cérebro, e ainda fingiu que não se abalara, enquanto eu percebia seu ranger de dentes.
Mais uma semana de castigo.
Quando tudo se esclareceu, com a chegada da minha mãe, ele me pediu desculpas, e eu conheci o tamanho do meu poder de desculpar, verdadeiramente. Com o coração. Nem pensei. Enlacei minhas mãos em seu pescoço, ao perceber o quanto ele ficara abalado. Eu não queria que ele sofresse. Não tenho por hábito dar o troco. Não sei onde aprendi isso. Acho que foi sozinha.  E enquanto ele se mantinha, indisfarçavelmente, consternado por dias a fio, eu aproveitava a minha paz.
E é para aquele balanço na rede da casa da minha avó, para sentir o perfume do manacá misturado ao som do seu piano que eu continuo indo sempre que me sinto arrancada de mim.
 

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